Nos anos sessenta, uma jovem chega do interior na metrópole do Rio de Janeiro. Viu um casal se beijar na claridade do meio dia, no centro da cidade. Maravilhada, pensou: Então isso podia acontecer? Não precisava ser um beijo furtivo, no escurinho do cinema, inspirado pelos dos atores? A liberação sexual fazia sentido. O sexo era "natural" e os jovens recusavam a tradição insensata.
Em 2014, na tela da televisão, estreia no Brasil, em público, o beijo homossexual. Trata-se da mesma coisa? Penso que não. Em parte porque se divulga em tempo real pelo país todo, esfumaçando a fronteira entre tradição e inovação. Como todos são levados a ver, ao mesmo tempo, perde o caráter de encontro contingente, ganhando o estatuto de necessidade obediente à lógica do espetáculo.
Do ponto de vista ético, jurídico, legitima-se uma nova ordem simbólica. Isso certamente é um ganho. Mas dessa vez não tem o caráter de um real natural que temos apenas que desencapar e pronto: é isso aí! O sexo parece passar a ser performance. Nada natural. E não vai parar por aí. Novos pedaços de real vão ressurgir alhures, mais e mais, diante daquilo que os novos discursos ditam, de forma mais ou menos dura.
Um jovem rapaz se lamenta: eu não gosto muito de beijar a três. Mas ela só quer assim, com a amiga dela e eu. Então fazemos isso. Não sei por que sempre obedeço a ela. Às vezes, no final, não tenho tesão por nenhuma das duas. Eu queria fazer sexo sem droga, a dois, que fosse só por amor, sabe como?...
Heloisa Caldas
EBP, Rio de Janeiro
First kiss, film de Tatiana Pilieva : We asked twenty strangers to kiss for the first time... |