Uma bela e jovem advogada entra em profundo desespero ao término de mais uma breve relação amorosa, relatando-o com uma série de não consigo, como não consigo parar de chorar, não consigo comer, dormir, trabalhar. O ex-namorado se transforma num espectro quando comparado ao parceiro devastação que domina a cena, varrendo da superfície qualquer ligação com a vida.
Com aparência visivelmente abatida, voz trêmula e soluçante, a jovem relata os horrores que estava experimentando, momento em que uma interpretação produz efeitos importantes. A faceta do real – pulsão de morte – apresentada pela invasão de um gozo masoquista arrebatador, pedia intervenção certeira.
Com voz firme e carinhosa, digo-lhe: Colocar imediatamente um freio neste sofrimento é seu dever! A marca do lábio leporino tem lugar delimitado em seu corpo, e nada além disso. A partir daí sua posição muda completamente: o choro para, esboça-se um leve sorriso e a enunciação torna-se mais clara.
Esta vinheta clínica busca exemplificar o lugar do corpo nas parcerias amorosas da atualidade; o fracasso persistente em manter o laço afetivo abre espaço para o furo no real, como diz Lacan no Seminário XXII. A busca de um sentido que aplaque este mal-estar, ao contrário, favorece a expansão do furo e a interpretação analítica, por seu caráter enigmático, pode determinar o fim da busca e abrir outra via de investigação.
Sandra Arruda Grostein
EBP, São Paulo, São Paulo